No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




terça-feira, 12 de julho de 2011

O Tatu e a Rainha

Estes dias foram marcados por tristes acontecimentos, infelizmente eclipsados pelas cerimônias do casamento real na Inglaterra. O primeiro foi a violência, cada vez mais virulenta, com aviões não tripulados da OTAN arrasando aldeias no Paquistão durante a Semana Santa. Por aqui, a violência manifestou suas garras com a imagem de atiradores de elite posicionados no teto do Palácio do Planalto para reprimir uma manifestação de trabalhadores que atrapalhava a reunião de Dilma e Moreira Franco, seu Secretário de Assuntos Estratégicos, com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – imagens revividas dos tempos da ditadura, com helicópteros militares sobrevoando ameaçadoramente um estádio lotado de trabalhadores. E a “ministra dos direitos humanos” diante deste “Rosário” de ameaças? Apenas silêncio.
Na área ambiental, assistimos pasmos a perda do pudor com a defesa explícita da depredação ambiental nas mudanças propostas no Código Florestal.
Sem deixar de falar na família real inglesa, que tal unir estes dois aspectos, violência e depredação ambiental?

Tudo começa quando viajei pelo interior do Rio Grande do Sul e parei num simpático restaurante em Cambará do Sul onde tocavam seleto repertório de música regional gaúcha. Uma das canções era verdadeira ode a natureza e ao tatu, em particular. E lá ia a música cantando a esperteza deste animal, dizendo: “o tatu se esconde aqui, o tatu se esconde ali” e assim por diante. Mas ao examinar o cardápio, fiquei impressionado com a variedade de pratos de tatu que apresentava. Pensei indignado como andava o desrespeito à fauna silvestre por estas bandas. O garçom, lendo minha expressão facial, se adiantou e me explicou que não vendiam carne de tatu, pois era um crime ambiental, e que aqueles pratos eram na realidade de lagarto. “Como?” “Não, não é aquele bicho que está pensando, é aquela parte do boi que vocês chamam de lagarto e aqui no Rio Grande chamamos de tatu”, continuou o paciente garçom, já acostumado às esquisitices dos visitantes ecológicos. Tudo esclarecido, foi servido um belo prato de carne bovina, um macio lagarto à moda gaúcha.
As minhas preocupações não eram totalmente infundadas. Pela Lei Federal no 5.197/67, a caça é proibida em todo território nacional, sendo, entretanto liberada na unidade da federação que através de estudos científicos determine quais os animais que não estejam ameaçados de extinção e que podem ser alvo dos caçadores a pretexto de promover o equilíbrio ecológico, desde que promovam também uma efetiva fiscalização. Obviamente esta Lei não tem nenhum fundamento baseado nas Ciências da Natureza, já que o equilíbrio ecológico está relacionado a predadores naturais. Infelizmente o único estado brasileiro onde a caça foi permitida sob a égide desta lei, foi o Rio Grande do Sul, onde a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul realiza os tais estudos científicos indicando os animais para a matança e as temporadas de caça, o que muito agrada as associações de caçadores locais, como a Associação Gaúcha de Caça e Conservação (sic). Podemos admitir que em alguns casos, como os javalis vindos de criações paraguaias e o chamado porco monteiro, de origem incerta, que não pertencem à fauna brasileira e causam problemas no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, recebam um tratamento especial. Mas problemas como estes devem ser administrados pelo governo federal sob a tutela do IBAMA e não delegados a um determinado instituto estadual. Em tempos de preocupação com a natureza, fica aqui a sugestão para que algum parlamentar com vocação ecológica proponha modificações nesta legislação absurda.
E a Rainha, onde entra nesta história? Ela tem tudo a ver, pois a caça é uma importante instituição britânica para preencher a ociosidade de sua nobreza que se diverte com suas cargas de cavalaria, toques de clarins, correndo pelos campos acompanhados de dezenas de cães na perseguição de uma assustada raposa. Os que viram o filme A Rainha de Stephen Frears devem ter estranhado que para cuidar das reações de Harry e Willian, netos da Rainha Elisabeth II, com a notícia da morte de sua mãe Diana em Paris, em 31 de agosto de 1997, eles tenham sido levados a uma caçada na residência de campo de Balmoral, na Escócia, onde estava sediada a família real. Era como se a notícia da tragédia de Diana, despedaçada em um acidente automobilístico na madrugada deste mesmo dia, fosse lavada com o sangue da caçada, mostrando às crianças que existe um valor maior, que é a realeza e o Império Britânico, que está acima das pessoas. Afinal de contas, um bom caçador deve ser frio, calculista, muitas vezes até impiedoso e familiarizado com o sangue e a morte. Estes requisitos são importantes na formação do caráter de futuros dirigentes britânicos, já que seu império colonial passado, sua realeza e agora no presente seus interesses econômicos pelo mundo afora sempre foram garantidos por uma extrema violência e sacrifício de muitas vidas humanas inocentes, tal qual os animais abatidos em caçadas.
Um exemplo do modus operandi das forças armadas britânicas pode ser visto no Iraque. As forças militares americanas, com mais de cento e cinqüenta mil homens, não conseguiam assegurar os seus interesses, mesmo com bombardeios, mortes e destruição generalizada, e paradoxalmente, a par da sofisticação dos equipamentos militares, contrata até antigos integrantes dos esquadrões da morte salvadorenhos no seu desesperado esforço repressivo. Enquanto isto, os ingleses e a sua secular experiência de repressão colonial com uma pequena força militar de 8.000 homens, controlavam todo o sul do Iraque, assegurando o fornecimento de petróleo em Barsa. Isto é fruto de um exército profissional que usa técnicas sofisticadas de violência e tortura no trato com a população civil, que é o celeiro de jovens insurgentes que lutam pela sua cultura e pelo seu país. As tropas britânicas agem sempre discretamente, mas quando alguma notícia de violência vaza para a imprensa, como nos casos de espancamentos, abusos sexuais e tortura, o Primeiro Ministro Tony Blair fazia um discurso indignado e um júri militar condena os torturadores a penas simbólicas dizendo que apenas cumpriam ordens superiores de “trabalharem duro” e se excederam um pouco em suas missões patrióticas. Este foi o ambiente onde o Príncipe Harry, o filho mais novo do Príncipe Charles e da Princesa Diana, conviveu comandando no Iraque uma unidade de doze homens dos esquadrões do Household Calvary Regiment, ao qual pertencia e graças a sua formação, desde as primeiras lições de caça, nada estranhou.
No filme A Rainha há também uma cena em que Elisabeth II ao desistir de acompanhar seus netos na caçada encontra um belo alce real, que ao encará-la parece despedir-se da vida. Logo depois ecoam tiros, para finalmente a Rainha constatar que o belo animal foi abatido por mãos plebéias. Nesta seqüência, a emoção expressada pela Rainha poderia hipoteticamente estar relacionada ao fato de que no ano de 1952, ao receber a notícia do falecimento do seu pai, Rei da Inglaterra, George VI, ela também estava envolvida com atividades de caça. A jovem princesa da Inglaterra, então com 26 anos de idade, já estava casada há 5 anos com Philip Mountbatten, Duque de Edimbourg e passavam o tempo abatendo impiedosamente elefantes, zebras, leões e toda a rica fauna africana. Neste ano o jovem casal praticava este reprovável “esporte” no alto das montanhas, em Aberdare, no Quênia, quando chegou um emissário vindo de Nairobi comunicando o falecimento do Rei da Inglaterra. Neste mesmo dia partiram para Londres tendo a Princesa, como filha mais velha do falecido Rei, assumido o Reino. No caminho de volta o povo saudava a Princesa, mas na verdade não sabia que já se tratava da Rainha da Comunidade Britânica. Hoje as ruínas das antigas instalações de caça real, destruídas há algum tempo por um incêndio, são mantidas como um registro desta esta época de violência tendo sido estas montanhas transformadas no Parque Nacional de Aberdare, um refúgio da vida selvagem, onde foi construído o Hotel Treetops, para os caçadores de imagens da vida animal usarem suas lentes do alto de suas paliçadas e aberturas, focalizando os animais que diariamente visitam um pequeno lago em sua proximidade.
O hotel tem uma pequena biblioteca onde são encontradas fotos, documentos, registros das caçadas e todo o histórico do período colonial nesta região.
O governo do Quênia leva a sério a sua política ambiental, fiscalizando efetivamente seus parques e reservas com um verdadeiro exército de rangers armados de metralhadoras. Enquanto isto, aqui pelo Brasil, as mudanças previstas para o Código Florestal ameaçam 43 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) e 42 milhões de hectares em Reservas Legais (RL) que foram desmatadas ilegalmente bem como prenunciam novas tragédias ambientais com o avanço sobre matas ciliares.

Artigo publicado no Montbläat 391 de 7 de maio de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário