No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




terça-feira, 15 de novembro de 2016

A Voz das Ruas: Vox Populi Vox Dei



ministrinho ministrão
supremo rastejante ou não
quem anda molhando a mão?
o Povo quer Justiça
contra esta corrupção
vamos apanhar vocês
com as calças nas mãos
vamos cortar sua podridão


De um cantador de rua, esta semana na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Alta Tecnologia


            Enquanto o Brasil entra na era espacial pela porta dos fundos pagando 10 milhões de dólares por uma mera carona no ônibus espacial russo, vamos falar daqueles brasileiros que não pertencem ao MST nem aos programas de Bolsa Família ou Cesta Básica e, portanto, têm que trabalhar com grande criatividade e afinco para sobreviver.

            Na figura abaixo mostramos uma singela viatura conhecida popularmente como jerico ou paco-paco.  A foto foi tomada em uma poeirenta estrada que liga a cidade de Alta Floresta às barrancas do rio Teles Pires em Mato Grosso.  A origem desta criativa máquina andante vem de alguns anos atrás quando o governo federal expulsou milhares de garimpeiros que viviam da larva de cassiterita no município de Ariquemes em Rondônia.  Esta multidão de trabalhadores foi dispersada a toque de caixa, que uma empresa em poucos dias assumiria o garimpo desse valioso minério de estanhoCom uma mão na frente e outra atrás, estes brasileiros abandonaram uma infinidade de máquinas, equipamentos, bombas etc.  Normalmente toda esta sucata industrial significaria mais poluição no nosso tão degradado meio ambiente.  Felizmente ali entrou a criatividade e capacidade de trabalho dos brasileiros que simplesmente reciclaram todo material abandonado, transformando-os em jericos ou pacos-pacos que rodam por várias cidades e estradas da Amazônia.  Estes veículos usam os motores das bombas de mineração e obedecem diversas normas de segurança, possuindo inclusive pisca-pisca, espelho retrovisor etc., sendo ainda extremamente econômicos, rodando mais de 20 km por litro de gasolinaUm ponto que me chamou muita atenção no designe deste veículo (não mostrado na foto) era o seu interior forrado com um velho tapete tipo persa que foi aproveitado de um lixão, mostrando que não é a socialite Vera Loyola que gosta de tapetes persas nos pisos de seus carros


            Nesta segunda fotografia, mostramos uma outra viatura um pouco mais sofisticada chamada de carreta agrícola que trafegava na região do município de São Miguel das Missões no Rio Grande do SulTambém é feita com material reciclado e tem como ponto mais interessante a logística no uso do seu motor fabricado originalmente para máquinas agrícolas. Na época da colheita ele é adaptado a uma colheitadeira, podendo ainda ser usado em equipamentos para pulverizações e irrigações das plantações. Nas entressafras é adaptado na carreta agrícola. No dia da foto o nosso caro fazendeiro trabalhava cortando capim nas margens da estrada para levar para o seu gado, de modo a complementar o seu pequeno pasto e de quebra contribuía para a comunidade economizando as verbas públicas na manutenção da estrada.
            Aqui vão dois belos exemplos de alta tecnologia, felizmente bem distantes do Departamento de TI (Tecnologia da Informação) da Caixa Econômica Federal, pois não foram construídos para trafegar na lama.  


Rio de Janeiro, 3 de abril de 2006.
Fotos e texto por Teócrito Abritta.




domingo, 9 de outubro de 2016

A Última Gota

A realidade imitando a ficção...


Foto T.Abritta.

          O Meritíssimo Doutor Desembargador Ademar Santos não conseguia pegar no sono.  Tantos títulos e importâncias, membro de uma espécie de realeza dos nossos tempos, trocaria tudo pela tranquilidade de um descanso profundo.  A cerimônia da tarde fora arrasadora.  Humilhação total.  Tantos discursos e homenagens para consagrarem uma farsa: para consagrarem o “pato” escolhido.  O “otário”, o “esparra”, como dizíamos quando garotos.  Pelo menos poderíamos ter saído logo depois do palavrório.  Mas Glorinha queria aproveitar ao máximo.  Uma taça de champanhe atrás da outra.  Como se fosse a última gota.  La Dernière Goutte.  Ah, que saudades daquele restaurante em Lyon, dos tempos em que era feliz.  Jogava meu vôlei na praia, dava uma passadinha no escritório de advocacia só para assinar papéis, uns telefonemas e o dinheiro caía diretamente na conta.  Ainda havia tempo para dar um trato na coleção de armas e ir ao estande de tiro.  Mas tudo tem suas vantagens.  Não teria mais que aturar aquele contínuo me chamando de “Meretríssimo” ou Doutor Santo.  A culpa era minha.  Tive de nomeá-lo para meu gabinete e em troca o Santoro nomeou Patricinha, minha filha, para nem aparecer por lá, ficar escrevendo aquela tese ridícula e frequentar academias de ginástica às custas da Previdência Judiciária.  Cada vez que eu pedia restituição dos gastos da Patricinha, tudo assinado, como seções de fisioterapia da Glorinha, sentia uma pontada de vergonha.  No fundo, éramos todos uns espertalhões que disfarçavam falcatruas.  Ladrões togados, como chamaria a imprensa popular! 
Tudo sob o respaldo da lei.  A Previdência Judiciária recolhe cinco por cento de cada papel registrado nos cartórios.  Por outro lado, a Previdência Advocatícia recolhe o mesmo para cada taxa judiciária.  O equivalente seria um policial recolher dinheiro para o plano de saúde privado dos lixeiros e, em troca, estes abastecerem a caixa de sua previdência, também privada.  Diante da Justiça todos se calam.  No fundo não somos respeitados.  Somos temidos.  Quem alegará inconstitucionalidade nessas operações casadas?
          Agora, a novidade.  Depois da lei que presenteia as filhas solteiras com o direito de receber pensão vitalícia dos pais, Desembargadores, Patricinha tratou de divorciar-se e vive aboletada aqui em casa.  Ela e Glorinha planejaram suas vidas após minha morte.  A pensão inicialmente ficaria com a mãe e depois passaria integralmente para a filha.  Uma beleza de amor filial: abrir mão da metade do dinheiro enquanto Glorinha for viva.  O gosto de cianureto amargou minha boca. 

          Cansado de rolar pela cama, levantou-se, foi à cozinha, tomou um copo de água e sentou-se na varanda.  A observação do ir e vir das ondas do mar parecia lavar a podridão dos pensamentos. 
Silhueta solitária cortou o cenário, andando pela calçada.  Anônimo popular?  Inocente?  Acusador?  Vítima?  O passado e a imagem do pai acudiram-no das angústias:  “não tem sentido qualquer um, só porque estudou com afinco, ir dominando as instituições da República através destes concursos públicos.  E a representação de classes?  Onde fica a tradição?  Afinal, o aperfeiçoamento vem com o exercício profissional, com a firmeza de uma educação esmerada e sólidos princípios morais.”  Assim, numa tarde de sábado, a banca do concurso público tomava uísque lá em casa com meu pai, enquanto eu copiava as respostas da prova nas folhas de papel almaço rubricadas. 
No começo dava medo.  Depois, pura rotina.  Quando a questão envolvia gente importante, era só reproduzir as últimas linhas dos memoriais que os advogados enviavam e lá estavam as sentenças com citações em Latim, Italiano e até em Alemão.  Era apenas decidir entre a melhor oferta.  Para a gentinha sem valor, chutava qualquer coisa: anexar não sei o quê aos autos, solicito informações e por aí vai.
  Os juízes corruptos, personagens de Graça Aranha em Canaã, tinham razão: Na miséria anda a Justiça. 
          Acabei corregedor da justiça e seria o próximo presidente desta corte.  Mas começaram os falatórios:  “O Conselho Superior vai considerar a candidatura uma afronta.  Já tem quase uma dúzia de colegas sendo investigados.  Tem envolvido com milícias, outros com vendas de sentença.  O negócio está feio.  E pra entornar o caldo, este processo no Tribunal Superior contra seis juízes que copiaram o gabarito do concurso público.  Está certo, só um é seu filho.  Mas os outros cinco colegas alegam que foi você, na condição de corregedor, quem deu uma prensa na banca e pegou o gabarito.  Se os filhos de vocês são tão ineptos e analfabetos que copiaram tudo igualzinho não é culpa nossa.  Assim é demais.  O que falam por aí é arrasador.  Ora, ora, seis provas iguais, ipsis literis”.
          “Para piorar a situação, aquela mulher andou dando entrevista na imprensa, lembrando que há trinta anos você participou da banca de um concurso para titular de cartório.  A prova era de múltipla escolha e mesmo assim cinco respostas do gabarito estavam erradas o que anularia a classificação dos sete primeiros colocados.  Justamente os... deixa pra lá.  Foi difícil segurar a situação alegando a soberania das decisões da banca e escutar os desaforos desta mulher que seria a primeira colocada: – um antro de corruptos e ainda por cima incompetentes.  Já pensou se mandássemos dar um sumiço nela?  Apareceria até a ONU por aqui.” 

          A cabeça fervilhava.  As mãos tremiam. Sessenta e cinco anos, obrigado a aposentar-se por motivos de saúde.  O pior era a fúria da Glorinha, preocupada com o futuro dos chás semanais neste belo escritório deixado pelo sogro.  As lombadas gravadas a ouro davam vida e nobreza à dinastia iniciada pelo pai do sogro e agora continuada pelo filho Paulinho, que teria – depois de tudo resolvido, assim queira Deus, como dizia Dona Glorinha – um retrato na galeria dos membros daquela Egrégia Corte de Justiça.

          “Tanto hoje como no passado, qualquer deslize no serviço público tem como resposta uma comissão de inquérito encarregada de uma “rigorosa e isenta apuração”.  A participação nesta comissão era a glória para aquele barnabé que assim justificava a sua ausência no trabalho.  O presidente da comissão tinha o privilégio de requisitar uma sala para reunir-se com os outros dois membros e uma datilógrafa que, com grande espírito público, acumulava as funções de Secretária da ComissãoPara garantir rigorosa apuração, com as sindicâncias necessárias, todos ficavam dispensados de freqüência ao trabalho e, após trinta dias, se ainda não tivessem um relatório conclusivo, pediam uma prorrogação que ia completando sessenta, noventa dias, e assim indefinidamentemais ou menos como nos pedidos de vista e engavetamentos dos processos no Tribunal Superior.  Em algumas repartições, como nos Correios e Telégrafos, o “rigorera tanto que mais da metade dos funcionários ficava sumida, participando de inquéritos, não havendo salas disponíveis para todosCom grandes sacrifícios reuniam-se em bares e praias
          Todo o palavrório era datilografado em papel ofício e as petições eram escritas de próprio punho em folhas de papel almaço pautado e terminavam invariavelmente com termos respeitosos como se digne conceder...
          Ah... havia também os carimbos, que valiam se fossem rubricados. 
          Com o aparecimento das canetas esferográficas, alguns burocratas recusavam assinaturas com esta novidade da escrita, alegando que os traços das assinaturas tinham a mesma largura, o que não acontecia com assinatura feita com uma caneta de pena.  Neste caso, as diferentes inclinações da caneta resultavam em diferentes larguras nos traçados, que dificilmente podiam ser reproduzidos.  Era um mundo de rigor e alta tecnologia!
          Para todo este rigor havia as exceções, infelizmente muito comuns.  Por exemplo, quando um Chefe de Serviço recebia um pedido encarecido dos escalões superiores para que fulano fosse poupado, já que se tratava de pessoa digna e cumpridora de suas obrigações não funcionais como familiaresComo proceder se as provas das falcatruas cometidas eram arrasadoras?  O jeito era consultar o proprietário de um paletó que ficava dependurado eternamente naquela cadeira vazia – algumas lojas vendiam um terno que vinha com uma calça e dois paletós, um para ser usado e outro para ser deixado no trabalho, mostrando assim a assiduidade de seu representado. 
          Logo que o dono do paletó chegava, acabava a agonia do dirigente público.  “Doutor, neste caso a solução é o carimbo torto”.  E assim, ao ser carimbada uma das páginas do “processo”, o carimbo era girado de modo a ficar tudo borrado, o que levava à sua anulação porgravesfalhas de procedimento. 
          Naqueles casos em que tudo estava “regularmente” carimbado, como proceder?  “Doutor a solução é a Cerimônia do Cafezinho”.  Desta forma, na solenidade de entrega do relatório da comissão, servia-se um cafezinho que, por um descuido “involuntário” de alguém, era derramado sobre a papelada, borrando as assinaturas que não eram feitas com canetas esferográficas.  Os envolvidos no inquérito acabavam elogiados e tudo terminava esquecido. 
          Hoje, como em uma refilmagem de antigas películas, o carimbo torto e as assinaturas borradas foram substituídos por senhas eletrônicas e certificações digitais fraudadas, e o funcionário do paletó empoeirado na cadeira, pelos modernos departamentos de TI – tecnologia da informação
          “Este reinado do novo carimbo torto cibernético é governado pela velha mentira, mais forte do que qualquer tecnologia.” 

          Baboseiras da Tese de Mestrado da Patricinha.  Puro mau gosto: “A Corrupção Através da História”. 
Pensando bem, quem sabe um carimbo torto não teria salvo minha carreira?

          Foi uma noite de insônia e sofrimento.  Amanhã esquecerei tudo.  Começarei vida nova.  Voltarei ao vôlei, aos velhos amigos do Clube de Tiro.  Vou até dar um trato nas duas novas aquisições: o Taurus Judge e a Glock. 
Este revólver, fabricado pela empresa brasileira Forjas Taurus, recebeu o prêmio Handgun of the Year 2008, patrocinado pela National Rifleman Association, em Louisville, estado de Kentucky, nos Estados Unidos. A arma foi batizada com o nome de judge (juiz) devido ao grande número de juízes que portam este modelo da Taurus nas salas dos tribunais norte-americanos – por ser um revólver poderoso para tiros de defesa a curta distância.  
Já a pistola Glock, vinda da Áustria, é a menina dos olhos de forças militares e comandos especiais.  O meu exemplar, de 9 mm, é privativo da Polícia Federal e Forças Armadas, sendo adaptado para atirar até sob a água.  É mortífera, mas muito segura com seu sistema “safe action” de três travas.  Construída com um polímero especial e conhecida como “a pistola de plástico”, é um terror para a segurança de aeroportos. 
A vergonha de ontem será, no amanhã, um ruidoso sucesso com a turma do tiro. 

          Amanhece.  O renascer.  Os primeiros raios de sol.  O começar de novo.  Apenas despertando nosso personagem, salvando-o de pavorosos sonhos.  O estrondo da Glock livrou-o da consciência.  Gritos desesperados de Dona Glorinha. 
          E aqui voltamos a Canaã: a tragédia acaba em justiça.


domingo, 17 de julho de 2016

Uma Refinaria de Pasadena no Leblon


         Neste sábado, 16 de julho de 2016, foi liberada, com um atraso de um ano e meio, a Praça Antero de Quental, no Leblon, Rio de Janeiro, após quatro anos interditada para as eternas obras da Linha 4 do Metrô. 
         Para nosso susto, no centro da praça, deixaram umas torres de refrigeração da estação do Metrô que lembram a ferrugem dos malfeitos da compra e venda da Refinaria de Pasadena.
         Destruíram uma bela e arborizada praça e legaram, coerentemente com estes tempos de corrupção e enganações, um descampado de terra vermelha (que chamam de saibro), algumas árvores e plantas espetadas sobre uns dez centímetros de terra que cobre restos de entulho, calçadas de pedras portuguesas mal colocadas, ralos e bueiros entupidos e a crônica ausência total de policiamento. 
         Para comemorar esta “inauguração”, houve um intenso tiroteio na Linha Vermelha, porta de entrada do Rio, desmascarando as farsas de segurança que tentam vender para a população.


Uma Refinaria de Pasadena no Leblon.
Foto T.Abritta, 16 de julho de 2016.



quarta-feira, 13 de julho de 2016

Flip etc


Ah, é uma pobreza cultural esta tal de Flip.
Ler abaixo uma boa análise publicada no O Globo:
         Lembro também, que a "grande homenageada", Ana Cristina Cesar, não tem nenhuma obra de valor. Escreveu apenas umas reflexões adolescentes muito rasteiras. Mas como foi de uma geração com pessoas de valor, como Cacaso e suicidou-se aos 32 anos, acabou endeusada pelos amigos...e hoje na Flip pelos chamados literatos "do lar".
         A expressão "poeta do lar", que eu uso como "literato do lar", foi usada por Mário de Andrade em suas polêmicas com Ribeiro Couto. Ler no link abaixo:





quinta-feira, 30 de junho de 2016

O Emparedado


          Não! Não! Não! Não transporás os pórticos milenários da vasta edificação do Mundo, porque atrás de ti e adiante de ti não sei quantas gerações foram acumulando, acumulando pedra sobre pedra, pedra sobre pedra, que para aí estás agora o verdadeiro emparedando de uma raça.
          Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurável! − de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda, de granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás, ah! ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo − horrível! − parede de Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio espasmo de terror absoluto.
          E, mais pedras, mais pedras se sobreporão às pedras já acumuladas,
mais pedras, mais pedras. Pedras destas odiosas, caricatas e fatigantes Civilizações e Sociedades. Mais pedras, mais pedras! E as estranhas paredes hão de subir, longas, negras, terríficas! Hão de subir, subir, subir mudas, silenciosas, até as Estrelas, deixando-te para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho.


 Cruz e Souza


Emparedado. Foto T.Abritta, 2010.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um Rio que Passou...



“Escritores de coquetel, profissionais de tarde de autógrafos.
São mais atores do que escritores”.

Marques Rebêlo




Finalmente cheguei ao final das mais de três centenas de páginas da Edição Especial da Revista da Academia Carioca de Letras, comemorativa dos 450 anos da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.  São quase quarenta crônicas, poemas, ensaios, comentários e observações diversas sobre o Rio, enfocando sua História, Literatura, Educação, Música, Arte, Futebol, Paisagismo etc.
          A par da grande abrangência desta publicação, ficou no ar uma sensação de que homenageavam uma cidade inexistente ou perdida em um passado remoto.
          ... e aqueles versos, do poema Discurso Afetuoso, de Ribeiro Couto a martelar:
          Ó poetas de gabinete,
          Que da vida sabeis apenas a lição dos livros,
          Vossa poesia é um jogo de palavras.

          Para vós não existe a vida: existem os temas poéticos ...

          Tirei da estante uma edição da História da Literatura Brasileira do Acadêmico Carlos Nejar, financiada pelo Ministério da Educação e pela Fundação Biblioteca Nacional, em parceria com a editora Leya, e reli aquele trecho:
          “Há escritores que se distinguem pela criação de seres vivos... como aconteceu com Balzac ... Jorge Amado.  Outros são criadores ou inventores de linguagem, tal Guimarães Rosa ... Clarice Lispector.  Há os que reúnem ambas – os mais raros.  José Sarney, vigorosamente pertence ao rol dos primeiros ...  Seu realismo não se prende à tradição machadiana como Cyro dos Anjos, é mais afim do autor de Velhos Marinheiros ...”
          E assim, ao longo de páginas e mais páginas, neste livro financiado com dinheiro público, é forjado um “marco” na literatura brasileira!

          Documentos histórico-literários deveriam ser mais críticos, fazendo uma ponte com o presente, como, por exemplo, mostrando a violência, tortura e morte que permeia o Brasil, em particular o Rio de Janeiro de hoje, com milhões de pessoas vivendo sob o jugo de criminosos, sem nenhuma cidadania, um sistema educacional que apenas produz passivos eleitores, pessoas morrendo nas filas dos hospitais e o velho voto de cabresto travestido agora de "programas sociais". Parece que querem apenas transmitir a ideia de que tudo ficou no passado.
          Com o fim de qualquer espírito crítico, não só na área cultural como em todos os setores de nossa sociedade, vemos medrar o que chamaríamos de “crítica de aplausos”.  Uns elogiam aos outros, para depois serem elogiados, numa mediocridade sem fim.  O que interessa é o “Mercado”, onde tudo é reduzido a lucros.
          Infelizmente as regras do “Mercado”, que acabaram substituindo qualquer crítica literária séria, “contaminaram” e estão acabando com todos princípios de seriedade intelectual.  Criticar, denunciar e contestar são conceitos banidos deste universo.

          Termino transcrevendo este texto de Fritz Utzeri, publicado no Jornal do Brasil em 2002:

O QUADRO NEGRO

          O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, associado à Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, edita um periódico, o Braudel Papers.  Não sei por que o papers, em inglês, já que Braudel era francês, mas vá lá. O fato é que a publicação merece ser lida. No seu último número, apresenta uma aluna pobre, de uma escola da periferia de São Paulo, em Capão Redondo, um desses lugares miseráveis e violentos, onde o poder público chega apenas marginalmente, abandonando e oprimindo, e onde a maioria dos jovens tem como causa mortis um assassinato.  Sandra tem 17 anos e é desses diamantes brutos que o Brasil insiste em produzir, contra todas as condições, e que em sua maioria jamais serão lapidados e se perderão cedo na vida, devido à cruel falta de oportunidade.  Sandra teve sorte, foi convidada a trabalhar no Instituto Braudel.  Trabalha de dia e estuda à noite, como centena de milhares de jovens em todo o Brasil.  A escola de Sandra é típica escola de periferia da cidade mais rica do Brasil, São Paulo.  Ela foi convidada pelo Instituto a fazer um diário de seu ano escolar. O relato é devastador. Realidade em prosa de algo que os governos enxergam apenas em números.  Para as estatísticas, Sandra faz parte das 96% das crianças brasileiras que estão na escola.  Para Sandra, a escola é um lugar que fica a anos-luz do que se poderia esperar de uma instituição de ensino.  Apesar de tudo, mesmo no inferno, há quem tente melhorar, há quem busque o conhecimento, mesmo em meio a tanto abandono e desfavorecimento.  Seu diário mereceria publicação em livro.  É a visão pungente, sem retoques, de como o Brasil trata a maioria de seus filhos.  Mostrarei apenas o primeiro dia do diário, que em si já é uma crônica escrita com estilo enxuto, objetivo, sem adjetivos, que orgulharia a maioria dos jornalistas que conheço (e que não conheço também).

“Quarta-feira, 14 de fevereiro.
          As aulas começaram há seis dias, só que até agora nenhuma matéria foi dada.  Como o horário das aulas ainda não foi definido, os alunos ficam nos corredores, até às 19h20, querendo saber para que salas irão.  Outros preferem ficar do lado de fora da escola, escutando o som que vem de um carro estacionado.  Na sala de português não há iluminação suficiente e há goteiras nos corredores.  Quando as aulas começam, os alunos reclamam muito quando os professores usam a lousa.
          Por enquanto, ainda estão fazendo simplesmente revisão.  A professora de português, Marina, passou um texto sobre narração que encheu a lousa.  Depois da primeira aula resolvi sentar na parte do fundo.  Dois alunos sentados atrás de mim conversavam sobre armas:
          - Seu pai ainda tá com aquele calibre 12?
          - Tá sim, quer comprar?
          - Quanto ele quer?
          - R$ 1.500.
          - Você tá louco! E aquela arma da polícia, que atira bolinha de borracha, que eu não sei o nome, quanto ele quer?
          - R$ 350.
          No início da conversa, pensei que fosse brincadeira. Sendo eu nova na sala, talvez quisessem me impressionar. Não tenho certeza.  Quando a professora de química disse que não ia deixar sair da sala para fumar, os meninos disseram: “Aqui ninguém fuma, só cheira!”
          Quando o sinal bateu para a última aula fui até o orelhão que instalaram na escola.  Alguém já tinha quebrado.  Às 22h fui embora.  Não tinha luz na rua.”
Fritz Utzeri, Jornal do Brasil de 24/04/02).

Notas:
-No site da Academia Carioca de Letras poderão obter em PDF a publicação citada: http://www.academiacariocadeletras.org.br/

-Nos links abaixo, dois artigos críticos sobre o Rio de Janeiro de hoje:





segunda-feira, 16 de maio de 2016

A Chegada de Lampião em Brasília


Farsantes e Aproveitadores são assim: sempre tirando vantagens do Poder...

(artigo publicado em junho de 2007).

                                                      Foto T.Abritta.                                    

          “A Chegada de Lampião no Inferno é um folheto cuja tiragem anual alcança mais de duzentos mil exemplares no Nordeste, apesar de editado há mais de vinte anos.  É um exemplo típico de literatura de caráter ideológico.  O inferno que o poeta camponês descreve tem vigia, depósito de algodão, casa de “ferragens”, vidraça, oitão, cerca e portãoNão é outra coisa senão a fazenda do latifundiárioLampião, no fundo, representa o próprio camponês que deseja conquistar tudo aquilo.  O vigia barra-lhe a entrada e comunica a Satanás, a quem chama de Vossa Senhoria, como faz com o latifundiário, a chegada do intrusoMas Lampião finda vitorioso:

“Houve grande prejuízo
No inferno, nesse dia;
Queimou-se todo o dinheiro
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro de ponto
E mais de seiscentos contos
Somente em mercadoria

          Acima reproduzimos um trecho de Francisco Julião de seu livroQue são as Ligas Camponesas?”, publicado em 1962 pela Editora Civilização Brasileira.  Nestes tempos, a par da miséria crônica, o nordeste brasileiro era uma terra de luta e esperança por tempos melhores e um celeiro de espíritos indomáveis, não deixando, entretanto de dar grandes contribuições artísticas e culturais para as soluções dos problemas brasileiros
          Este espírito revolucionário começou com Zumbi dos Palmares, que foi também um líder civilizador, pois trouxe a fundição do ferro para as Américas.  Do nordeste brasileiro também saíram grandes líderes populares, como Francisco Julião com suas ligas camponesas e os heróis do Engenho Galileia que começaram a sua luta pelo direito de alfabetização. 
          Hoje parece que a esperança de Dom Hélder Câmara evaporou-se, a “Geografia da Fome de Josué de Castro” foi rasgada, a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire foi destruída, as obras de Celso Furtado e Gilberto Freyre apagadas, a grande literatura de João Cabral de Melo, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Ariano Suassuna, substituídas pelo lixo televisivo e a obra de Mestre Vitalino, juntamente com os artistas populares do Alto do Moura trocados pelas quinquilharias contrabandeadas do Paraguai.  Até o pequeno distrito de Vargem Grande, no Município de Garanhuns em Pernambuco, local de nascimento de Lula, não existe mais, transformou-se em Caetés, pois por aqui as cidades não crescem pelo progresso, crescem pela mão da superpopulação e da miséria que promovem mais os políticos e sugam as verbas que se evaporam como em um truque do demo
          Em nossos dias, para conhecermos a miséria nordestina não temos que visitar o sertão, apenas temos que a partir da decadente Praia da Boa Viagem, na outrora bela Recife, cantada por muitos como uma Veneza tropical, visitarmos o interior deste grande aglomerado urbano, a maior mega-favela das Américas formada por um contínuo de municípios como Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda, Nova Paulista e Igarassu, todos com muita miséria, falta de saneamento, educação, habitação e o maior índice de violência do Brasil, não tendo destaque na grande imprensa por ser entre a população que não freqüenta as colunas sociaisPor aqui o progresso pode ser aferido pelo número de sacos plásticos brancos que “adornam” os rios da capital, os famosospombos”, que levam os detritos das populações sem instalações sanitárias e pela poluição das praias de Muro Alto pelo Porto Suape. 
          Dentro do triste apagão ético em que vivemos, ainda assistimos o paraibano Ariano Suassuna que se definiu como: “Sou, como todo escritor, uma espécie de sonhador, sem muito jeito para político ou cientista”, ser cooptado pelo poder, traindo o seu Movimento Armorial ao assumir a Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco e como sempre para deixar marcas, uma grande obra arquitetônica: a última área verde de Recife a beira mar, perto da praia da Boa Viagem, será destruída, sem nenhum estudo de impacto ambiental e substituída por uma imensa área coberta de concreto, a pretexto de construir um centro cultural para o Prefeito de Recife fazer seus comícios para plateias de até 20 mil pessoas neste pátio, chamado de Parque Dona Lindu.  Isto tudo com a benção de um projeto de Oscar Niemeyer. 
          Mas hoje o inferno e os opressores se sofisticaram, usam a Bolsa Família para extorquirem votos de um povo que jamais terá trabalho, educação e dignidade, pois com a consciência vem a vontade de mudar e a sede de justiça.  E o diabo está mais esperto, indo habitar aquela cidade projetada para uma pequena elite do poder ficar protegida do cheiro do povo, obrigado a viver em seu entorno no eufemisticamente chamado Recanto das Emas.  Sobre esta cidade Clarice Lispector escreveu: “A construção de Brasília: a de um Estado totalitário” ou Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília.  Eu estava sozinha no mundo.  Havia um táxi parado no pontoSem chofer.  Clarice também escreveu sobre esta cidade frases impressionantes como: “A alma aqui não faz sombra no chãoe “É urgente: se não for povoada, superpovoada, uma outra coisa vai habitá-la.  E se acontecer, será demais: não haverá lugar para pessoasElas se sentirão tacitamente expulsas”. 
          Infelizmente a visão trágico poética de Clarice se concretizou, sendo ainda esta cidade administrada por uma pessoa que recentemente foi envolvida em um dos maiores atentados a nossa democracia, que foi a fraude no painel de votação do Senado, temperada com a concussão de funcionários desta casa legislativa
          Ainda nem nos recuperamos da vergonhosa partilha ministerial em Brasília e assistimos como em um filme de terror, uma multidão de insignificâncias intelectuais disputando a tapas cargos técnicos em órgãos importantes como: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, IBGE, Comissão de Valores Mobiliários, Susep, INPI, Inmetro, Cnen, Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Rui Barbosa e outros 270 cargos, que estão em uma lista preliminar catalogada pelo Ministro Mares Guia e comparada pela jornalista Miriam Leitão a um resort all inclusive
          Contra tudo isto devemos invadir Brasília como o Lampião dos cordelistas chegou ao Inferno, mas sem violência, armados apenas com a força da éticaMas onde encontrar esta armaPara encontrá-la não adianta apenas combater os políticos e magistrados corruptos.  Devemos cultivá-la no nosso dia a dia combatendo aquela jornalista que ganha uma viagem a Antártica para elogiar o governo; aquele cronista sulista que escreve sobre Sarkozy para não criticar a direita petista; aquele professor universitário que se aposenta e faz concurso para o mesmo cargo, tirando uma vaga de um de seus ex-alunos; aquele juiz que após julgar favoravelmente uma causa do cantor Roberto Carlos age tal qual uma macaca de auditório, tirando fotografias e presenteando-o com um CD, conforme publicado no O Globo de 10 de junho de 2007.  Devemos combater também aquele cientista que vende a sua dignidade para arranjar um empreguinho para um filho inepto ou ocupar uma diretoria federal; não devemos nos esquecer daquele líder estudantil subsidiado vergonhosamente por um partido político ou daquele pseudo-ecologista cuja prática é a sua fonte de renda ou mesmo aquele operário que usa o auxílio alimentação de sua família para beber cachaça.  A lista é longa, mas se não cultivarmos a ética será melhor deixarmos os Senadores se divertindo com as mulheres genéricas conhecidas por eles como “as gestantes”.  Aqui toquei em um ponto melindroso, mas as ofensas às mulheres e à maternidade vindas da capital federal devem ser respondidas com grande firmeza pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres, diretamente pela sua titular Ministra Nilcéia Freire.  Será que vai?  Eu acho que não, pois esta moça fica indignada é com a imprensa, quando esta mostra a foto do da Ministra Marta Suplicy envergando um calçado Prada de valor equivalente a umas duzentas bolsas família.

...e assim hoje, em 2016, nove anos depois, as facções criminosas continuam com seus crimes sem fim!