No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




sábado, 19 de julho de 2014

Na toalha sobre a mesa, falta um prato para sempre...


          O papel treme nas mãos, vou lendo e tomando conhecimento dos fatos registrados.  A versão oficial.  É necessário saber para não esquecer, para gritar.  Gritar bem alto – tamanha brutalidade.  Incomensurável injustiça. 
          Para continuar o texto, apenas a força de doces sofridas palavras:

          Estou triste como a árvore antiga
          Cujos galhos tombaram ao temporal

O Ocorrido:
          Era para ser uma maravilhosa temporada de férias para Pedro, vinte e quatro anos, e seus amigos que saíram do Rio em busca do sol e cores da Bahia...
          Às 13:15 horas do dia 30/07/2007, deu entrada no Instituto Médico-Legal de Eunápolis, o corpo de uma pessoa como sendo Pedro Gomes Ribeiro, que segundo a DELTUR, Porto Seguro-Ba, foi vítima de morte violenta “indícios de afogamento”.  Fato ocorrido no dia 30/07/07, por volta das 02:30 horas, no Rio Caraíva, Caraíva, distrito de Porto Seguro-Ba.

O Laudo (resumo):
          Escoriações medindo 2,5 cm de diâmetro na região sub-mentoniana.  Ferida corto-contusa medindo 1,2 cm de comprimento no couro cabeludo na região occipital (linha média).  Ferida puntiforme na dobra anterior do cotovelo direito.  Equimoses e pequenas escoriações na região peitoral.  Escoriações no cotovelo esquerdo.  Edema cerebral difuso.  Fratura de 4º arco postal esquerdo em sua curvatura anterior.  Pulmões edemaciados sem presença de líquido na árvore brônquica.  Presença de equimose de +/- 2,0 cm de diâmetro no lobo superior do pulmão esquerdo. 
          Obs. colhido o sangue e material gástrico para exame toxicológico – cérebro, pulmão e rins para anátomo-patológico.  Pedro Gomes Ribeiro faleceu por insuficiência respiratória aguda. 

A Sentença:
          Trata-se de inquérito policial instaurado com o fim de apurar a prática do crime previsto no artigo 121 do CP, praticado contra Pedro Gomes Ribeiro, tendo em vista que no dia 30 de julho de 2007, por volta de 02:30 min., no rio Caraíva, no Distrito de Caraíva, Município de Porto Seguro, o turista, que se encontrava em companhia de amigos, mergulhou no citado rio e momentos depois foi encontrado desacordado e boiando nas águas.
          A despeito das várias diligências realizadas pela autoridade policial não foi possível identificar, até o momento, quem foi autor deste crime, o que levou a Promotora de Justiça a requerer o arquivamento das peças de investigação (fl. 30).
          Defiro o requerimento ministerial, ordenando o arquivamento dos autos deste Inquérito Policial ... blá, blá, blá. 
          Assinado juíza fulana de tal, em 20 de junho de 2008.

          E assim, a douta doutora juíza, burocraticamente sepulta a Verdade, determinando que a Justiça seja esquecida até que apareça “um fato novo”.

O Fato Novo:
          Pedro faleceu em 30 de julho de 2007.  O processo foi arquivado em menos de um ano e o desarquivamento só foi conseguido aproximadamente três anos depois, em 2011.  O “fato novo” que permitiria o prosseguimento da ação e a punição dos culpados estava escondido no próprio processo: o laudo anátomo-patológico simplesmente não constava dos autos, já que as autoridades responsáveis jogaram todo o material recolhido para estes exames (ver descrição no laudo) em um lixão.  O Corregedor de Polícia Técnica de Salvador instaurou processo administrativo para exoneração dos envolvidos e consequente processo criminal.  Mesmo com réus confessos, a Verdade foi enterrada mais uma vez com o arquivamento de todas as provas a pedido do Secretário de Segurança Pública da Bahia. 

A Revolta:
          Desídia, má fé, prevaricação ou associação criminosa?  Os fatos mostram grande suspeição contra autoridades do executivo e judiciário baiano. 
          Todo o processo está eivado de contradições, num diz e desdiz sem fim, a par de visíveis ações para impedir a plenitude da Verdade.
          As irregularidades e má fé já se insinuaram no traslado do corpo da Bahia para o Rio de Janeiro, sem o acompanhamento do laudo cadavérico.  A família de Pedro teve de constituir um advogado para obter um documento que tinha direito.  A sentença da juíza está cheia de contradições, ora fala em crime, para a seguir insinuar que Pedro espontaneamente mergulhou no rio Caraíva, sendo poucos minutos depois encontrado desacordado boiando nas águas.  Quando ocorreram as torturas e morte deste jovem?  Afinal a guia policial, que encaminha o corpo para perícia, fala no envio de um corpo.  Onde está a verdade?  Como uma juíza, em sintonia com a promotora arquiva um processo com tamanhas suspeitas sem solicitarem maiores esclarecimentos ou investigações complementares?  E o escândalo, não apurado, de jogarem partes cadavéricas em um lixão, com o claro intuito de esconderem a Verdade, sabotando a conclusão de um laudo?
          Estes fatos justificam a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, bem como da Procuradoria da Justiça Federal.  Justificam também uma denúncia a ABI, OAB, ao Conselho de Justiça da OEA, e a organizações internacionais de Jornalistas. 
          Lembramos que Pedro era Jornalista brilhante, mestrando na PUC- RJ, e provavelmente teve conhecimento de algum fato que motivou tamanha violência.
          Afinal, um Jornalista, mesmo de férias, é sempre um Jornalista, sempre odiado pelos detentores deste poder medieval ainda existente em nosso Brasil.

   Quando o telefone toca, noite avançada, madruga acesa,
   meu coração dispara, relógio gritando as horas, sirene de bombeiro.
   Inevitável derrubar o telefone no chão, perder a sensibilidade das mãos,
   pisar em falso, tropeçar no cachorro, lutar com as cobertas.
   Somos quatro eternamente, três capengas e um ausente.
   Na toalha sobre a mesa, falta um prato para sempre.


          Amigos e Amigas
          Conhecidos e Desconhecidos
          Gritemos bem alto: Justiça!

          Esta é a história, estes são os fatos.
          Essa é a dor de Lúcia Gomes em sua peregrinação contra a impunidade.



          Procuro pensar que destes galhos
          Caídos sobre o chão molhado
          Surgirão novas mudas de mim mesma
          Verdejantes e pequenas inocentes...


Verdade Verdejante.

Notas:
 - O título e os fragmentos intertextuais em itálico são versos dos poemas de Lúcia Gomes.
 - Texto e fotografia por Teócrito Abritta




terça-feira, 8 de julho de 2014

Comendo Chapéu


Carlos Drummond de Andrade

JAMES MITCHELL, ministro do Trabalho
Em Washington, D.C., e homem sério,
notou o contra-senso:
para o trabalho havia um Ministério
com toda cibernética montagem;
para trabalhadores, não havia
            trabalho.

Ora, Mitchell sentiu-se no dever
de dar emprego a quem não tinha mas queria
             trabalho.
E garantiu que, vindo outubro, com ele vinha
trabalho tanto e em tal variedade
que seria trabalhoso e mesmo vão
              evitar
              trabalho.

E tão seguro estava do milagre
que prometeu de pedra e cal
comer de aba e copa o seu chapéu
(dele Mitchell, ministro do Trabalho)
se algum trabalhador ficasse ao léu.

Eis que outubro apontou, e bem contadas
as filas de chômeurs, verificou-se
que 3.200.000 pessoas
              estavam sem trabalho
(40.000 a mais do que em setembro).

Mitchell não teve dúvida em cumprir
o seu enchapelado compromisso,
mas como tudo é chapéu, e o caso omisso,
               mandou fazer
um de chocolate e nozes e comeu-o
no hall do Ministério do Trabalho,
com o quê, teve bastante
             trabalho
             mastigatório.

No Brasil, se os governantes resolvessem
comer chapéu ao falhar uma promessa
– de carne, de feijão, de água à beça
e outras metas maiores e menores –
todos os brasileiros passariam
              a ter trabalho, e muito,
              no ramo confeiteiro,
mas não havia chocolate que chegasse
               e nem tampouco nozes
para chapéu de bolo no ano inteiro.

Copa 1970, com o ditador Médice usando o futebol com finalidades políticas.