No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




sábado, 7 de abril de 2012

Os Mercadores da Morte


Publicado no Montbläat, janeiro de 2009.





         “... nunca tantas cidades foram capturadas e devastadas... nunca tanta gente foi exilada ou massacrada, nunca tantas cidades sofreram uma mudança total de habitantes... Quem quer que deseje ter uma ideia clara tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que um dia voltarão a ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes..., julgará a minha História útil...”



         Assim escreveu o historiador grego Tucídides em sua História das Guerras do Peloponeso, que descreve uma verdadeira “Guerra Mundial” entre as cidades gregas lideradas por Esparta e Atenas entre os anos 431 e 403 a.C.

         Este livro é um libelo contra a tragédia da guerra, que na visão de Tucídides é modelada por duas forças contrastantes: a vontade do poder e o desejo de liberdade dos povos.

         Passado tantos anos, infelizmente, nada mudou, exceto a capacidade temporal de matar e destruir.  Há poucas décadas tínhamos Guernica, Lídice, Dresden e My Lai.  Hoje temos o Gueto de Gaza e as aldeias destruídas do Afeganistão, onde populações civis são sistematicamente assassinadas com grande eficiência tecnológica – bombas de fragmentação, armas químicas, bombas incendiárias de fósforo e toda sorte de armamentos que a indústria bélica fabrica.  Em Gaza, em particular, os mercadores da morte testam a eficiência de armamentos que são mais apropriados para áreas altamente urbanizadas e densamente povoadas, o que não é encontrado nas pobres aldeias afegãs já transformadas em pó.  Neste sentido a invasão terrestre de Gaza foi mais para coletar dados dos macabros experimentos e a suspensão dos bombardeios apenas uma medida prática para que “os engenheiros da morte” trabalhassem e observassem as agonias e sofrimentos causados por seus armamentos. 

         O surpreendente disto é a passividade da comunidade internacional diante de tanta violência.  Com exceção de Portugal, que proibiu o sobrevoo de seu território por aeronaves transportando armas para a matança em Gaza, no resto do mundo o silêncio é total.  Falar em boicotes como foi feito contra o governo racista da África do Sul ou em tribunais para julgar crimes de guerra como os ocorridos na Bósnia, nem pensar.  Em tempos de crise a ética e o senso de humanidade que se danem, mesmo que seja para vender a morte. 

         A insensibilidade do governo brasileiro parece seguir as regras do mercado – como os “civilizados europeus”.  Sem negócios, não tem dinheiro, não tem mensalão e, portanto, não tem campanha eleitoral. 

         O governo brasileiro continua não aderindo ao tratado internacional pelo banimento das chamadas bombas “cluster”, já que as nossas indústrias exportam este tipo de armamento.

Por outro lado, o país continua um paraíso para as vendas e contrabando de armas e a maior parte dos armamentos fabricados e exportados legalmente pelo Brasil, principalmente para os Estados Unidos e Paraguai, volta ilegalmente para as mãos da criminalidade. 

         A tolerância das nossas autoridades com o tráfico de armas é infinita, sempre se mantendo caladas sobre os fuzis AR-15 americanos e Uzi israelenses que abastecem o nosso mundo do crime, bem como nunca desagradando os Hermanos, que vendem livremente armamento de guerra pesado do Exército Boliviano e as metralhadoras russas AK-47 vendidas aos milhares originalmente para o Exército Venezuelano. 

         Mas o pior ainda vai acontecer, pavimentado pela instalação recente em São Paulo de uma representante oficial das pistolas austríacas Glock.  O entusiasmo com as “facilidades” oferecidas pelo governo brasileiro foi tão grande que um funcionário declarou:



         “... o maior garoto propaganda de nossas armas é o próprio Presidente Lula, pois todos os agentes de segurança do governo e os homens do serviço secreto tiveram suas pistolas Taurus trocadas por Glocks novinhas em folha”.



         O próximo passo agora na escalada da violência é a entrada no Brasil de empresas de segurança tipo Blackwater, que já usa equipamentos brasileiros.  Falta apenas acertar detalhes para assegurar que seus agentes possam matar e torturar com imunidade judiciária como no Iraque.  Mas isto não significa problemas, já que nos tribunais superiores já foi dito que tudo se arranja com facilidade.  Afinal de contas o comércio de segurança tende a crescer com a crise do capitalismo, com os ricos diminuindo em número, mas ganhando cada vez mais e os pobres ficando cada vez mais pobres e numerosos, lembrando aquela frase de Josué de Castro em sua Geografia da Fome:



         “No mundo alguns não dormem com medo dos que não comem e outros não comem por causa dos que não dormem”. 



         Para aqueles que consideraram este artigo exagerado ou fantasioso sugiro que fiquem atentos à feira que vai acontecer em abril próximo no Rio de Janeiro, LAAD 2009, Latin America Aero & Defense, quando os mercadores da morte descreverão em detalhes os horrores cometidos contra as populações civis de Gaza e do Afeganistão, já que hoje em dia as guerras não são entre exércitos e sim contra o povo indefeso, dentro da lógica do terrorismo de Estado. 

         E aqui voltamos tristemente a Tucídides, de que as guerras são modeladas por duas forças contrastantes: a vontade do poder e o desejo de liberdade dos povos.

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