No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




quinta-feira, 19 de abril de 2012

A morte de Ivan que não era Ilitch


        Tão pouco era Ivan.  Era o Meritíssimo Desembargador Francisco Borba, criado nestas páginas, inspirado no seu colega Desembargador Ivan Ilitch; saído da Rússia imperial e imortalizado por Leon Tolstoi.  



         Como nos antigos jornais, tomemos uma daquelas frases prontas para iniciar esta história:



         A corrupção, aliada aos mais sórdidos sentimentos humanos, é uma das chagas que o Homem há séculos tenta exterminar.



         Todos de preto.  Cochichavam pelos cantos em pequenos grupos que se formavam.  Alguns falavam um pouco mais alto para serem notados: “um belo velório!”.  A viúva dava ordens: coloque estas flores aqui; na saída do féretro não se esqueçam do Adágio de Albinoni.  A filha, Clarissa, mostrava-se tão preocupada com o futuro que não conseguia fingir tristeza.  Vez ou outra trocava olhares cúmplices com a mãe, Dona Maria José.  Alguns esqueciam onde estavam e riam divertidamente.  O filho, Abel, parecia o único a sentir real tristeza.  Assim que soube, largou os treinos para a próxima apresentação na Opera de Paris, onde estreará como primeiro bailarino.  No fim, perdoou o pai, esquecendo as humilhações sofridas quando abandonou o curso de Direito. 

         “A vaga do Borba não é para magistrado de carreira.  É para advogado de notável saber jurídico.”

         “Pra cima da gente, Santoro, seu irmão com aquele diploma amarelado vai confundir vade-mécum com vade retro.  Passou a vida ‘legalizando’ grilagens e agora vai ser nosso colega?”

         Data venia, mas para seu irmão vale aquela frase do Millôr: Advocacia era sua maneira legal de burlar a lei”.

         “Bem, manda quem pode, obedece quem tem juízo.  Vou falar pela última vez: se ele não arrumar um foro privilegiado vai cair nas mãos daquela raça ordinária de Procuradores que estão a fim de nos ferrar.  E sua casa em Angra?”

         “Santoro tem razão.  Seu irmão assume, entra de licença médica e fica enrolando pouco mais de um ano até cair na compulsória.”

         “E ainda resolve o espólio deixado pelo ilustre colega, arrumando um DAS pra Dona Maria José e Clarissa, como assessoras especializadas.”

         “Muito bonito.  Mas o governador quer, no primeiro lugar da lista tríplice, seu sobrinho, advogado da empresa de quentinhas.  Primeiro passo na arrancada para plantar mais um representante no Tribunal Superior na capital federal.”

         “Esperamos que ele não ‘ganhe’ a concorrência pra substituir nosso modesto lanchinho de salmão com caviar por suas quentinhas de macarrão com asa de barata.” 

         “O governador se comprometeu a escolher o primeiro nome.  Mas se falhar o acordado, vai qualquer um.”

         “Este analfabeto não entende nada de Pacto Republicano – os três poderes unidos contra inimigos comuns.  É só ameaçar vazar os nomes de seus correligionários processados em segredo de justiça, que ele vem comer na nossa mão.”

         “Sabe quem também está querendo uma vaga?  Aquele rábula, advogado do Senador Diógenes.  Eu brincando com aquela história de casa na Zona Sul e casa na Zona Norte, e o desgraçado apareceu lá no Méier pra pedir voto.  E ainda ameaçou, perguntando se preferia recebê-lo em Copacabana, com minha esposa servindo um licorzinho de jenipapo!”

         “Este povinho desgraçado critica, esta imprensa corrupta acusa e tem toda esta gentinha que nem imagina como é difícil tomar certas decisões.”



         A noite avançava.  Só os amigos mais chegados ficaram.  A viúva roncava, Clarissa era consolada na escura sala ao lado por gentil cavalheiro que a fazia esquecer as dores da vida.  Até Abel olhava impaciente para o relógio. 



         Um triste amanhecer.  Os últimos acordes de Albinoni. 

         Santoro nem chegou a escutar as rezas do Cardeal – ataque cardíaco fulminante: “Revertere ad locum tuum”.  “Partiu junto com seu amigo, o inestimável Francisco Borba”.  Assim foram as palavras de um futuro membro desta Egrégia Corte, “a ser renovada com sangue novo, graças às duas vagas da Providência Divina” – agora, a voz do governador, mãos trêmulas, fungando, suando frio, só um pensamento: “ao pó retornarei!”.


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