Caro leitor:
este artigo, publicado no Montbläat 147, de fevereiro
de 2006, nos lembra tristemente da tragédia brasileira, onde os cenários são
imutáveis e os personagens apenas mudam de nome, ou mais apropriadamente, de
alcunha.
Neste início de
ano resolvi não
só tirar
férias, como zerar
minhas informações, deixando de ler jornais por mais de um mês, de modo a melhorar a percepção da situação
nacional e internacional.
Aproveitei para reler Lima Barreto, escritor que
muito admiro. Os livros
escolhidos foram Recordações do Escrivão Isaias Caminha
e Triste Fim
de Policarpo Quaresma. Essas obras, respectivamente
publicadas em 1909 e 1911, são povoadas de personagens
abjetos, servis, sem
caráter, corruptos,
jornalistas de aluguel e carreiristas
desavergonhados, não escapando nem o Marechal
Floriano que usa
o seu poder
de vida e morte
para sonegar impostos municipais da fazendola de sua propriedade.
Na época, uma das críticas recebidas por Lima
Barreto era que
seus personagens
estavam simplesmente sendo transferidos
da realidade como
uma chapa fotográfica
que imprime diretamente
no papel a imagem
captada, sem nenhuma criação literária
que trouxesse universalidade e
perenidade. Portanto, no futuro, as novas gerações não encontrariam nenhum
sabor em
sua obra, pois
o interesse épico
desapareceria juntamente com a geração
fotografada. Ledo engano!
Ao voltar a ler jornais, lá estavam os personagens
de Lima Barreto como
se o tempo fluísse tal
qual uma espiral.
Se olharmos a projeção desta espiral no plano
horizontal, veremos as tristes figuras no mesmo
ponto. Se subirmos no eixo
vertical do tempo, elas
se destacam e se ampliam com a
complexidade da sociedade e suas
infinitas dobras e frestas
por onde
se esgueiram os agressores.
Subindo nesta espiral,
ao ligarmos a televisão, nos deparamos com o representante de um
partido dito revolucionário, fundado em
1922, que com
voz mansa
e arrastada serve de capacho para o poder, fazendo Astrogildo Pereira
tremer na sepultura. Ao
lermos os jornais nos
chocamos com um
Presidente da República
pregando a ignorância e o racismo
ao mesmo tempo
em que
se declara legítimo representante do povo por ser um cafuzo, mas sempre tentando se branquear
com seus
ternos Armani e aviões
de luxo. Não
devemos esquecer que
em plena
época de fanatismo
religioso o nosso
Vice Presidente
da República se bandeou para
um partido
que entre
outras coisas prega
que as festas
populares de São
Cosme e Damião são coisas
do Demo. Enquanto isso, a governadora do
Rio posa de fundamentalista
religiosa defendendo o ensino do Criacionismo! E o personagem
encenado pelo douto
Ministro da Justiça
que gostava tanto
de falar dos planos
de segurança com
aquele ar
de entendido e que
agora simplesmente
sumiu depois de um
telefonema de um
ex-governador acusado de corrupção. Por onde anda a Ministra
do Meio Ambiente, cuja
única ação pública foi há mais
de uma década por
ocasião da morte
de Chico Mendes? E os nossos Teólogos da Libertação
que preferem falar
do sexo dos anjos
a criticar os companheiros
que exploram a fé
e a ignorância. E os membros
do Supremo Tribunal
Federal que
se calam com os desvios
éticos recorrentes e agressões à Lei Orgânica da Magistratura?
Infelizmente os críticos de
Lima Barreto estavam errados e seus personagens
vivos como
nunca a roerem a nossa
Sociedade e paciência!
Sugiro aos esquerdistas de ocasião
ou de bolso
(sem dupla
conotação), que
leiam as outras obras deste escritor e, tratando-se de literatura, procurem o significado de Homem de Subsolo
na obra de Dostoievski ou de Lumpen-Proletariado
nas obras de Marx-Engels. Com estes conceitos claros, poderemos agir criando uma reação séria à triste situação
brasileira de miséria
e desesperança crescentes, banindo estas
excrescências da vida nacional.