No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




quarta-feira, 18 de maio de 2016

Um Rio que Passou...



“Escritores de coquetel, profissionais de tarde de autógrafos.
São mais atores do que escritores”.

Marques Rebêlo




Finalmente cheguei ao final das mais de três centenas de páginas da Edição Especial da Revista da Academia Carioca de Letras, comemorativa dos 450 anos da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.  São quase quarenta crônicas, poemas, ensaios, comentários e observações diversas sobre o Rio, enfocando sua História, Literatura, Educação, Música, Arte, Futebol, Paisagismo etc.
          A par da grande abrangência desta publicação, ficou no ar uma sensação de que homenageavam uma cidade inexistente ou perdida em um passado remoto.
          ... e aqueles versos, do poema Discurso Afetuoso, de Ribeiro Couto a martelar:
          Ó poetas de gabinete,
          Que da vida sabeis apenas a lição dos livros,
          Vossa poesia é um jogo de palavras.

          Para vós não existe a vida: existem os temas poéticos ...

          Tirei da estante uma edição da História da Literatura Brasileira do Acadêmico Carlos Nejar, financiada pelo Ministério da Educação e pela Fundação Biblioteca Nacional, em parceria com a editora Leya, e reli aquele trecho:
          “Há escritores que se distinguem pela criação de seres vivos... como aconteceu com Balzac ... Jorge Amado.  Outros são criadores ou inventores de linguagem, tal Guimarães Rosa ... Clarice Lispector.  Há os que reúnem ambas – os mais raros.  José Sarney, vigorosamente pertence ao rol dos primeiros ...  Seu realismo não se prende à tradição machadiana como Cyro dos Anjos, é mais afim do autor de Velhos Marinheiros ...”
          E assim, ao longo de páginas e mais páginas, neste livro financiado com dinheiro público, é forjado um “marco” na literatura brasileira!

          Documentos histórico-literários deveriam ser mais críticos, fazendo uma ponte com o presente, como, por exemplo, mostrando a violência, tortura e morte que permeia o Brasil, em particular o Rio de Janeiro de hoje, com milhões de pessoas vivendo sob o jugo de criminosos, sem nenhuma cidadania, um sistema educacional que apenas produz passivos eleitores, pessoas morrendo nas filas dos hospitais e o velho voto de cabresto travestido agora de "programas sociais". Parece que querem apenas transmitir a ideia de que tudo ficou no passado.
          Com o fim de qualquer espírito crítico, não só na área cultural como em todos os setores de nossa sociedade, vemos medrar o que chamaríamos de “crítica de aplausos”.  Uns elogiam aos outros, para depois serem elogiados, numa mediocridade sem fim.  O que interessa é o “Mercado”, onde tudo é reduzido a lucros.
          Infelizmente as regras do “Mercado”, que acabaram substituindo qualquer crítica literária séria, “contaminaram” e estão acabando com todos princípios de seriedade intelectual.  Criticar, denunciar e contestar são conceitos banidos deste universo.

          Termino transcrevendo este texto de Fritz Utzeri, publicado no Jornal do Brasil em 2002:

O QUADRO NEGRO

          O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, associado à Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, edita um periódico, o Braudel Papers.  Não sei por que o papers, em inglês, já que Braudel era francês, mas vá lá. O fato é que a publicação merece ser lida. No seu último número, apresenta uma aluna pobre, de uma escola da periferia de São Paulo, em Capão Redondo, um desses lugares miseráveis e violentos, onde o poder público chega apenas marginalmente, abandonando e oprimindo, e onde a maioria dos jovens tem como causa mortis um assassinato.  Sandra tem 17 anos e é desses diamantes brutos que o Brasil insiste em produzir, contra todas as condições, e que em sua maioria jamais serão lapidados e se perderão cedo na vida, devido à cruel falta de oportunidade.  Sandra teve sorte, foi convidada a trabalhar no Instituto Braudel.  Trabalha de dia e estuda à noite, como centena de milhares de jovens em todo o Brasil.  A escola de Sandra é típica escola de periferia da cidade mais rica do Brasil, São Paulo.  Ela foi convidada pelo Instituto a fazer um diário de seu ano escolar. O relato é devastador. Realidade em prosa de algo que os governos enxergam apenas em números.  Para as estatísticas, Sandra faz parte das 96% das crianças brasileiras que estão na escola.  Para Sandra, a escola é um lugar que fica a anos-luz do que se poderia esperar de uma instituição de ensino.  Apesar de tudo, mesmo no inferno, há quem tente melhorar, há quem busque o conhecimento, mesmo em meio a tanto abandono e desfavorecimento.  Seu diário mereceria publicação em livro.  É a visão pungente, sem retoques, de como o Brasil trata a maioria de seus filhos.  Mostrarei apenas o primeiro dia do diário, que em si já é uma crônica escrita com estilo enxuto, objetivo, sem adjetivos, que orgulharia a maioria dos jornalistas que conheço (e que não conheço também).

“Quarta-feira, 14 de fevereiro.
          As aulas começaram há seis dias, só que até agora nenhuma matéria foi dada.  Como o horário das aulas ainda não foi definido, os alunos ficam nos corredores, até às 19h20, querendo saber para que salas irão.  Outros preferem ficar do lado de fora da escola, escutando o som que vem de um carro estacionado.  Na sala de português não há iluminação suficiente e há goteiras nos corredores.  Quando as aulas começam, os alunos reclamam muito quando os professores usam a lousa.
          Por enquanto, ainda estão fazendo simplesmente revisão.  A professora de português, Marina, passou um texto sobre narração que encheu a lousa.  Depois da primeira aula resolvi sentar na parte do fundo.  Dois alunos sentados atrás de mim conversavam sobre armas:
          - Seu pai ainda tá com aquele calibre 12?
          - Tá sim, quer comprar?
          - Quanto ele quer?
          - R$ 1.500.
          - Você tá louco! E aquela arma da polícia, que atira bolinha de borracha, que eu não sei o nome, quanto ele quer?
          - R$ 350.
          No início da conversa, pensei que fosse brincadeira. Sendo eu nova na sala, talvez quisessem me impressionar. Não tenho certeza.  Quando a professora de química disse que não ia deixar sair da sala para fumar, os meninos disseram: “Aqui ninguém fuma, só cheira!”
          Quando o sinal bateu para a última aula fui até o orelhão que instalaram na escola.  Alguém já tinha quebrado.  Às 22h fui embora.  Não tinha luz na rua.”
Fritz Utzeri, Jornal do Brasil de 24/04/02).

Notas:
-No site da Academia Carioca de Letras poderão obter em PDF a publicação citada: http://www.academiacariocadeletras.org.br/

-Nos links abaixo, dois artigos críticos sobre o Rio de Janeiro de hoje:





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