Este
artigo foi publicado em 2011 no Montbläat.
Agora estamos republicando-o com o fac símile da entrevista com Pablo
Neruda que foi citada.
Foi
feita também uma revisão, sendo o artigo reescrito dentro do espírito de um
gênero entre a crônica e um ensaio literário sobre a Luta e o Martírio pela
Liberdade.
Com
a morte de Ernesto Sabato (1911-2011) o Mundo ficou menor. Cresceram os “intelectuais” que só sobrevivem
à sombra do poder. Diminuiu o número
daqueles que são as testemunhas, os
mártires de uma época. Como uma
homenagem a este Ernesto, republico o artigo abaixo, lembrando tantos outros
que estranharam este mundo de violências e injustiças. Uns com a força e beleza das palavras, da
poesia. Outros com o sangue da própria
vida.
Que
importa o lugar em
que a morte nos surpreenderá: que
ela seja bem vinda, se nosso
grito de guerra
for ouvido, se outra
mão se erguer
para empunhar nossas armas e se outros
homens se levantarem para
entoar os cantos
fúnebres, sobre
o crepitar das metralhadoras
e dos novos gritos
de guerra e de vitória.
A
frase acima
encerra o documento
intitulado Criar dois,
três ... vários
Vietnames, eis a palavra
de ordem, enviado
por Ernesto Che Guevara ao
Secretário-Executivo da Organização
de Solidariedade dos Povos da África, da Ásia e da América Latina e que
foi divulgado em 16 de abril de 1967.
Podemos dizer que
este documento
sintetizava as grandes esperanças de criarmos um
mundo mais
justo e progressista
na face da terra,
mesmo à custa
irreparável da morte
e perda de grandes
talentos de uma juventude
idealista. Nessa época
Guevara já lutava liderando um pequeno grupo de guerrilheiros
na Bolívia e poucos meses depois, em 8 de
outubro de 1967, foi preso
e executado barbaramente no dia seguinte, encerrando a sua
existência aos 39 anos
de idade. O dia
a dia de sua
luta na Bolívia ficou registrado no
chamado Diário de
Che Guevara. A leitura destes documentos
é importante para
compreendermos a personalidade do líder guerrilheiro,
atualmente tão
vilipendiado por certa
imprensa.
Os jovens
que se encantaram e emocionaram com a candura e
espírito de solidariedade
humana de Guevara, mostrados no filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles, deveriam ler os documentos acima e ver que uma sólida ideologia e princípios
éticos podem manter-nos jovens e idealistas
por toda
vida.
Em seus
diários Che deixa
registrado não só
os seus erros
– um dos quais
foi acreditar que
podia salvar um
povo com
uma cultura diferente,
nem sequer falando espanhol,
pois falavam quéchua, aymara ou
guarani –, como
mostra a sua
aceitação fatalista
desta gente simples, que não o
compreendia e não o aceitava,
delatando-o, traindo-o e vendendo as vidas
dos jovens e idealistas
guerrilheiros ao exército
boliviano, que era
a mesma força
de repressão que
massacrava esses índios
a serviço de companhias
multinacionais. Mas
Guevara estoicamente aceitava essa realidade,
negando-se a agir, por
exemplo, como
as hordas petistas que
atacaram violentamente os “descamisados” de Collor – hoje aliado de Dilma –, diante da então
derrota eleitoral
de Lula para aquele outrora
chamado caçador de marajás. E agora,
com o petismo no poder,
parecem procurar uma vingança
eterna, mantendo uma população analfabeta,
sofrendo nas filas dos postos médicos
e sob o jugo
da criminalidade, mas
fanatizados pelo populismo
que os transformou em
bons eleitores
e passiva carneirada desta nova
direita.
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Feira de Sacsili, Equador.
Foto T.Abritta, 2000.
Nesta
década, os anos
60, pipocaram pelo mundo
afora vários
movimentos democráticos
e progressistas que
foram exterminados com extrema violência,
desaguando neste mundo horroroso em que vivemos atualmente. Na tão
sofrida África, no pobre Zaire dos dias de hoje já houve uma eleição
democrática após
a emancipação do Congo
Belga. Mas
o Primeiro Ministro
eleito, Patrício Lumumba, acabou
assassinado e os “civilizados” europeus
e belgas, enviaram uma tropa de seis mil monstros para espalhar a violência,
a título de defender
inconfessáveis interesses
econômicos. Entretanto
o patriotismo falou mais
alto, eclodindo nestas paragens um dos
mais belos
movimentos revolucionários,
que unia as tradições
tribais à modernidade de jovens intelectuais
africanos, que
terminavam seus doutorados
em grandes
universidades européias como a Sorbonne (aquela tão
invejada e execrada por Lula). Havia intelectuais como
Gaston Soumialot e Pierre Mulele que se
uniam aos Simbas – que em Swahili significa leões
– para combater pela causa comum que era a liberdade. Os Simbas eram guerreiros
imortais que
podiam ser abatidos
momentaneamente, mas sempre ressuscitavam para defender suas famílias, sua cultura e seu país. Mas toda esta poesia do movimento
não resistiu a um
grande massacre
promovido por um
conluio da Bélgica, que
enviou um grupo
de pára-quedistas, dos Estados Unidos, que
enviou aviões pilotados por mercenários
cubanos e das colunas de mercenários comandadas pelo
coronel Lamouline. Ah, estes
nomes e fatos
não deveriam ser
apagados da História. A repressão
não poupou ninguém,
Pierre Mulele, que era
o Ministro da Educação
do governo revolucionário,
morreu sob torturas,
tendo seus olhos
arrancados das órbitas, seus lábios dilacerados
por alicate
e seus órgãos sexuais decepados,
morrendo lentamente com
a perda de sangue.
Mas massacres piores aconteceram. A Indonésia
nesta época era
uma grande esperança
de democracia e desenvolvimento
humano, sob
a liderança de Sukarno, um dos líderes
do terceiro mundo. Mas as
forças do atraso
reagiram rápido e promoveram um massacre, que resultou em
700 mil mortos,
inclusive crianças,
pois a súcia de direita dizia que
não podia deixar
sementes de futuros
comunistas. Tudo
começou com uma carnificina
de origem política,
para terminar em uma loucura coletiva onde cabeças eram usadas como
marcos da quilometragem das estradas, já que para os muçulmanos esta seria uma punição
além das fronteiras
da morte, pois não poderiam entrar no Paraíso de Alá sem
suas cabeças. Ainda com os rios
tingidos de sangue, o Japão saudou o novo governo de
Jacarta e os dirigentes britânicos e americanos
congratularam-se, alegando que nada era mais reconfortante
para os países
ocidentais do que
ver o segundo
produtor mundial de borracha
e quarto produtor
de arroz e de estanho
renovar tradicionais laços
de amizade e comércio,
pois nas mãos
dos novos chefes
de Estado o sangue, decididamente,
seca rápido.
Com esses exemplos de extrema
violência, marcados pela
morte de Che Guevara, há quarenta anos, devemos olhar o mundo de hoje e não aceitar a banalização
da violência e do terrorismo
de Estado promovido por
grandes Nações. Afinal
de conta muitos daqueles que viviam e sofriam na década
de sessenta, não se abatiam diante dos retrocessos
históricos, sempre
mostrando esperança. Nos Estados Unidos a violência
racial da Ku Klux Klan encontrava resposta nos poemas de Langston Hughes, um
dos bardos da Poesia da Negritude, que falava bem alto: Eu também canto a
América. No outro
extremo deste continente
americano, em
Isla Negra,
Pablo Neruda declarava em entrevista:
...outras cores
existem no panorama do mundo. Quem
pode esquecer a cor
do sangue humano
derramado inutilmente no Vietname? E a cor das aldeias
queimadas pelo
napalm?...São
Domingos continua dividido, ultrajado e
invadido. ... estamos em janeiro de
1966. Neste ano
talvez eu
consiga alcançar
os sessenta e dois anos
de minha vida
e continuo acreditando na possibilidade do amor. Tenho a certeza
do entendimento geral
entre os seres
humanos, que
se dará a despeito das dores, do sangue
e dos cristais quebrados
(*) perdoem-me se creio que, apesar de tudo,
o mundo brilha
infinitamente rosa,
infinitamente azul.
(*) Pablo Neruda deu esta entrevista em sua residência em Isla Negra, Chile, após uma longa viagem por vários continentes, incluindo uma visita
ao Rio de Janeiro. Os cristais
quebrados eram uma referência
a um terremoto
que causou grandes
estragos em
sua casa
enquanto estava ausente. Durante
a sua visita
ao Rio de Janeiro,
eu, com
19 anos de idade,
tive a oportunidade de conhecê-lo na casa de um vizinho que o
recepcionou discretamente, de modo a evitar a ira de nossa ditadura da época.
Entrevista com Pablo Neruda, Folha da
Semana, Fevereiro de 1966.