No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




domingo, 6 de maio de 2012

Noturno




Primeira noite neste apartamento.  Não conseguia afundar no sono.  Ainda bem que amanhã é domingo.  Com a leitura, cada vez mais desperta.  Pudera: não era hora para As Cidades e as Serras de Eça de Queirós.

Onze badaladas do pêndulo.  Nada melhor do que um relógio antigo para quem cultive a graça das demoras.  Um relógio que marque mais os outroras que os agoras. 

Os ponteiros, tal asas de morcego num abre e fecha, a cada cleque cleque movem a noite.  Nascem e dormem constelações.  Pena, invisíveis neste céu noturno encoberto pelo concreto. 

Meia noite: ao quarto me recolho.  Meu Deus!  E este morcego!

Aquietou-se apenas lendo singelas palavras:



“Ditirambo Mineiro em Prosa”



            “Desculpem-me os mineiros.  Para mim, Minas é queijo.  Queijo com doce de leite, goiabada cascão, ou doce de mamão. 

            Fresco, meia cura ou curado.  Sempre apreciado, seja lá de cabra ou leite de vaca.  Só interessa o resultado. 



            Do Serro, da Alagoa.  De Araxá ou da Canastra.  Da Serra do Salitre – frio das montanhas, cheio de manhas.  Fino sabor rural, poesia de campos, serras, causos.



Patrimônio Imaterial da Cultura Nacional!”



         Acordou sonhando.  Pisou no quintal úmido pelo orvalho.  Fria lambida de vento invadiu a camisola.  Amanhecia.  O céu azulando.  De longe algum galo cantou.  O garnisé da vizinha respondeu.

         Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outro que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos para que uma tênue teia se vá tecendo, entre todos os galos.



         Bom dia Dona Lica. 

...dia moça – todos os dias assim.  E olhe que não é uma zeugma retórica.  Come-se o “Bom” pela economia mineira. 

Em pouco tempo o badalar dos sinos chamando para a missa das seis. 

Despertou dos sonhos e sono.  Ensolarada manhã de domingo.  Vestiu o shortinho de cintura alta, arrebitando-se no espelho.  Soltou os cabelos, vermelho nos lábios – desejável ar sexy.

Na rua, um bêbado retardatário solta palavras que por aqui soam mais como elogio do que grosseria: “Pô que lombo!”.  Cidade grande é assim. 

Compra pão e jornal.  No caminho vai lendo as notícias:



Foi preso Fulano de Tal, braço-direito do traficante conhecido como “O Matemático”.  O bandido Joãozinho Olho de Vidro foi localizado...  O Vice-Governador, alcunha de Pezão, afirmou que conhece o Sicrano de Tal, já que também é o Secretário de Obras.  



Entrou em casa, prostrou-se na poltrona.

Apenas música: Noturnos de Chopin.  





Nota:

Fragmentos intertextuais dos poemas: Relógio de Pêndulo, de Cassiano Ricardo; O Morcego, de Augusto dos Anjos e Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto.

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