No ano de 212 a.C., após um cerco de dois anos à cidade de Siracusa, na Magna Grécia, atual Sicília, esta foi capturada pelas legiões romanas. Quando a casa de Arquimedes – que com seus engenhos ópticos e mecânicos retardou ao máximo a queda da cidade – foi invadida pelos romanos, ele estava no quintal desenhando na areia suas figuras e estudos geométricos, quando um dos soldados pisou sobre os mesmos. Noli tangere circulos meos (não toque em meus desenhos), exclamou Arquimedes em seu precário latim, sendo imediatamente morto por uma lança, que destruiu fisicamente este velho filósofo e matemático. Mas não conseguiu eliminar o seu acervo intelectual, que, atravessando os séculos, chegou até nós.







Neste blog republicaremos também artigos da minha coluna semanal BRASILIANA, do jornal MONTBLÄAT editado por FRITZ UTZERI.




segunda-feira, 10 de abril de 2017

Semana não tão Santa



Foto Rudolf Koppitz, 1926.

Uma reflexão sobre a violência e a exploração política da fé religiosa.
Publicado no Montbläat em abril de 2007.

          Diz uma velha história do povo Samburo, habitantes do norte do Quênia, que leões só atacam pessoas quando um dos seus ascendentes matou um desses felinos no passado.  Numa espécie de memória ancestral, como nas tragédias gregas, a matança será sempre lembrada e as novas gerações pagam pela violência passadaAssim, as comemorações da Semana Santa me despertaram antigas lembranças, principalmente a cerimônia intitulada “In Coena Domini” onde o Papa Bento XVI lavou o de um dos doze fiéis escolhidos para esse ato na Basílica de São João de Latrão, em Roma.  Este ritual simboliza a humildade do gesto de Jesus Cristo ao lavar os pés de seus discípulos na última ceia em Jerusalém.  Os fundos recolhidos no ofertório da cerimônia foram oferecidos a um hospital em Baidoa, na Somália, que sofre continuamente as violências das guerras desde os tempos em que era uma colônia italiana.  Outro fato que me despertou profundas lembranças foi o convite papal aos sacerdotes e todos os católicos “a limparem a sujeira que existe em nossas vidas”.
          O ofertório do Papa à Somália levou minha memória ancestral ao ano de 1958, quando a população acompanhava entristecidas com as notícias radiofônicas sobre a morte do Papa Pio XII e uma voz, posteriormente apagada da História, comentou: como pode ser considerado santo, um religioso que asperge água benta em aviões de guerra italianos que se preparam para bombardear os somalis que lutavam apenas armados de lanças?  Seria este ofertório uma reparação simbólica, mais de cinquenta anos depois, para as atrocidades cometidas neste país pelos exércitos coloniais italianos com o beneplácito papal
          A humildade que o Papa tenta demonstrar fica seriamente desacreditada também quando, sobre a égide deste Sumo Sacerdote, a Igreja volta a mostrar a sua negra e repressiva face medieval com a Congregação para a Doutrina da (eufemismo usado para os atuais Tribunais da Inquisição) censurando escritos e palavras do sacerdote Jon Sobrino que no paupérrimo El Salvador luta pela justiça social com o risco da própria vida, tal qual a freira Dorothy Stang aqui no Brasil.  O mais triste disso, é esta parcialidade do Vaticano, que nunca emitiu, por exemplo, uma palavra sobre o massacre de El Mozote, onde oitocentos camponeses foram massacrados no dia 11 de dezembro de 1981 numa aldeia paupérrima deste mesmo El Salvador de Jon Sobrino – que por sinal é o único sobrevivente do massacre de seis jesuítas de sua geração – e do arcebispo dom Oscar Romero (ver Testemunha da Chacina, Alma Guillermo Prieto, Piauí-abril 07).  Salta aos olhos também as atrocidades cometidas pelo IRA (Exército Republicano Irlandês) e pelo Exército do Sul do Líbano (falange fascista católica que atuou por muitos anos no sul do Líbano em colaboração com Israel) organizações ditas católicas e que jamais sofreram qualquer censura do Vaticano por suas distorções patológicas da doutrina cristã.  Será que suas atividades terroristas se coadunam com humildade e justiça
Outra demonstração da parcialidade do Vaticano é a notícia de que o Papa Bento XVI fez um apelo ao governo do Irã para que fossem soltos os quinze marinheiros que invadiram as águas territoriais deste país de modo a passar esta Páscoa no conforto de seus lares.  Não deveria ter sido feito também um apelo semelhante ao governo americano para que fossem soltos centenas de prisioneiros que sofrem em Guantánamo e Abu Ghraib ao arrepio de qualquer lei de um mundo civilizado e cristão?
          Quando o Papa convida os sacerdotes e todos os católicos “a limparem a sujeira que existe em nossas vidas”, ele deveria ser um pouco mais cuidadoso, pois aqui no Brasil, em Santa Catarina, isto é feito no sábado de aleluia com extrema violência e crueldade com a chamadaFarra do Boi”.  Esta é uma celebração trazida pelos açorianos que migraram para o Brasil devido a sua experiência com as atividades marítimas e com a pesca da baleia, sendo introduzida em Santa Catarina há 250 anos.  A Farra do Boi é uma releitura sangrenta da Paixão de Cristo, com o boi representando Judas e a traição ou mesmo o demônio, que deve ser torturado para que as pessoas sejam purificadas de seus pecados, limpando a sujeira de suas vidas.  Nesta celebração o boi sofre todo o tipo de crueldade, desde ser privado de água, perseguido pelas ruas sofrendo pauladas e pedradas até extremos, como ter os olhos perfurados, introdução de cacos de vidro em suas cavidades e agressões inimagináveisDepois de horas de sofrimento o animal cai de cansaço e fraqueza com a perda de sangue e tudo termina em churrascoSão cenas repugnantes e quem protestar ou tentar fotografar será seriamente agredido pelos farristas.
Festas religiosas cristãs onde animais são torturados ocorrem também na Espanha e Portugal no dia de São Firmino (que envergonha o Santo).  São as festas do Encerro e da Capeira, em plena Comunidade Europeia!
O mais grave é o incentivo a esta violência como as touradas na Espanha e Portugal que viraram diversão e para muitos até arte, chamada tauromaquia.  Esses costumes foram exportados para o México, Peru Bolívia e até para a França. 
          Aqui no Brasil a TVE (televisão espanhola) nos finais de tarde apresenta bárbaras cenas de touradas incentivando as crianças à esta prática violenta numa apologia ao crime, que a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal no 9.605 de fevereiro de 1998) considera abusos e maustratos à animais como crime.
          A Farra do Boi era proibida desde 1977 por decisão do Supremo Tribunal Federal, mas os deputados de Santa Catarina e vereadores do Município de Governador Celso Ramos (SC) tentaram burlar a lei federal, mudando o nome desta festa religiosa para Brincadeira do BoiEste ano o festival de selvageria continuou ocorrendo em diversos municípios catarinenses, com a omissão ou mesmo conivência de autoridades eclesiásticas, federais, estaduais e municipais.
Da praia dos Ingleses, em Florianópolis, veio a notícia de que um boi, todo mutilado, preferiu lançar-se ao mar para ficar livre do sofrimento.  Após o afogamento, foi resgatado e repartido em pedaços que foram distribuídos entre os participantes da hecatombe
          Enquanto isto o Senador Francisco Dornelles (PP-RJ), esquecendo-se que não estamos na terra dos aiatolás e que aqui existe separação entre Igreja e Estado, propôs um projeto de lei consagrando o dia 11 de maio a Santo Antônio de Sant’Anna Galvão que na prática será mais um feriado neste verão que não se despede.  Mas como o interesse material é o que importa, o Banco Central avisou que este dia não será considerado para fins de rendimentos das operações financeiras e, portanto, não contribuirá para os juros e correções das cadernetas de poupança e fundos de garantia.

Será uma espécie de homenagem de Frei Galvão aos banqueiros!

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