Rei, Rei, Rei
Rei Sebastião
Quem desencantar Lençóis
Vai abaixo
o Maranhão
Naquele imenso
areal, um pescador
costurando sua rede, lavadeiras e crianças
brincando de roda, todos
cantam esta canção de esperança no Rei Sebastião que
vai trazer não
só a redenção,
como também
as riquezas do litoral
sul maranhense
(vai abaixo o Maranhão). Estamos falando de uma pequena
ilha isolada nas chamadas
Reentrâncias Maranhenses
– no litoral norte
deste estado – com
suas infinitas ilhas
e ilhotas, baías
e bancos de areia
que já
causaram muitos naufrágios,
desde antigos
galeões espanhóis e portugueses até modernos barcos pesqueiros
que por
lá se aventuraram. O povo
da Ilha de Lençóis é também
chamado de Os Filhos
da Lua por
sofrerem de albinismo causado pelos casamentos
consanguíneos nesta comunidade em função de seu isolamento.
O Rei
Sebastião dos Filhos da Lua é o mesmo Príncipe
Escondido dos portugueses que não acreditaram na sua
morte e desaparecimento
em 1578 na batalha
de Alcácer Quibir no Marrocos. Já que dizem que ele se escondeu em
uma ilha, por que não
na nossa Ilha
de Lençóis, onde foi encantado na forma de um
aterrorizante touro que
assusta a população? A receita
para quebrar o encanto é simples:
basta não
temê-lo e oferecer-lhe uma filha em casamento para
termos o rei
de volta com
todo seu
poder. Para os moradores mais
sensatos, o rei
já deve ter
morrido, ninguém vive mais de quatrocentos anos. Pelo sim e pelo não, é melhor que tudo fique como está, o baixo
Maranhão só traria desilusões, com o atual e
ex-governadores atolados em denúncias de corrupção e indicações ministeriais sob
alta suspeição.
O Maranhão parece um
estado onde a criminalidade
é livre desde
que sustente seus políticos. Só para dar alguns
exemplos, observei, ao visitar
a cidade de Tutoia, que
entre as ruas
tomadas por
lixo – parece que
não existe recolhimento
de lixo urbano
– circulava um número
grande de caríssimos jipes 4x4, o
que era
estranho diante
da capenga economia
municipal. Mas
tomando uma cerveja em
uma birosca, tudo foi esclarecido: após a colheita da safra de maconha os agricultores
investem nestes carros para usarem uma vez
por mês
levando aposentados do Funrural – em sua maioria por processos fraudulentos
– aos bancos para recebimento de suas aposentadorias,
cobrando uma taxa de cinco por cento pelo “serviço”. Na época das eleições trabalhavam recolhendo os eleitores no chamado voto
de cabresto. Já na
capital, São Luís, fiquei pasmo escutando as conversas
com empresários paulistas
que estavam em
meu hotel
e falavam abertamente que, até para respirar
naquele estado, tinham que pagar propinas ou aceitar sociedades com aqueles vagabundos
(conforme suas
palavras). Nas ruas
podemos ver, com tristeza, todo um patrimônio histórico e arquitetônico abandonado, com tudo
desabando apesar das verbas que o Governo Federal
envia. Em
Alcântara a situação parece pior, a maioria dos prédios
já desapareceu. Em Santo Amaro observei uma situação
inusitada, onde
o poder público
patrocinava, sem nenhum
ônus para a população, uma televisão
a cabo na zona
urbana deste município,
mas que, na contramão
de qualquer princípio
democrático, só transmitia a programação de uma estação
maranhense retransmissora da TV Globo,
em um
verdadeiro Big Brother (ver 1984 de George Orwell) nordestino, tirando do povo
o direito de opinião
independente.
Aquele misto de senador e ditador, que há anos tutela
o governo federal, certa vez proferiu inflamado discurso
em defesa
da liberdade dos meios
de comunicação venezuelanos. Poderia ter
poupado a garganta e a paciência dos ouvintes
e simplesmente dizer
aos hermanos que
enquanto eles vinham com milho, há muito as oligarquias maranhense
já iam com
o fubá.
Mas o pior foi quando me
aconselharam a não ir
para Barreirinhas por
uma estrada recentemente
inaugurada pela governadora na época: o povo estava roubando a estrada. Não
entendi o significado do que era roubar uma estrada até que
verifiquei in loco. Na realidade a governadora
tinha inaugurado um
simulacro de estrada
que consistia em
uma fina camada
de asfalto aplicada diretamente
sobre a areia
e que se fragmentava totalmente conforme
os carros passavam. A defesa
das autoridades era
culpar o povo (V. Figura 1). Ao invés de serem ofendidos e chamados de ladrões, os moradores da região
deveriam ser elogiados. Desempenhavam uma tarefa
de preservação ambiental, já que livravam
a natureza da poluição
causada pelas placas de asfalto que se
soltavam da estrada, dando a elas uma utilização com a calafetação dos barcos
usados em seus
trabalhos de pescaria.
Hoje, quando vemos
as impressionantes fotografias
das pontes maranhenses
construídas no meio do nada, com o nosso dinheiro levado pelo
pomposo projeto intitulado PAC – Programa de Aceleração do Crescimento –,
pelo menos podemos saber
claramente quem
são os ladrões
de estrada, absolvendo os humildes pescadores
acusados pelos poderosos
do Maranhão que têm assento
até em academias literárias dentro do triste
apagão ético
em que
vivemos.
Figura 1 - Pescadores
maranhenses rotulados criminosamente pelos
políticos de ladrões
de estradas. Foto T.Abritta,
Alcântara-MA, 1996.
Enquanto
isto, em Brasília, continua o vergonhoso “beija e molha mão” patrocinado por vetustos senadores, ministros e governantes acusados
de irregularidades sem
fim, mostrando que
a corrupção está generalizada.
Esta súcia lembra-nos o mafioso
Dom Corleone no filme
O Poderoso Chefão. O teatrinho estaria completo
se tivéssemos a participação visível
daquele personagem que
se considera o ápice da espécie
humana, mas que paradoxalmente
diz nunca saber
de nada.
Para esta turma,
devemos lembrar que
Al Capone nunca foi condenado por seus crimes, mas
acabou preso por
sonegação. E que o povo
brasileiro tem invejado os suicídios
de corruptos no Japão.
A propósito, Padre Antonio Vieira
(Lisboa, 1608 – Bahia, 1697) já nos alertava destas tragédias em seu sermão Mal da Terra:
Os
vícios da língua são tantos que fez Dreagélio um abcdário inteiro, e muito
copioso deles. E se as letras deste
abcdário se repartissem pelos estados de Portugal; que letra tocaria ao nosso
Maranhão? Não há dúvida que o M. M murmurar, M motejar, M mal-dizer, M
malsinar, M mexericar, e sobretudo, M mentir: mentir com as palavras, mentir
com as obras, mentir com os pensamentos, e de todos e por todos os modos aqui
se mente. Novelas e novelos, são as duas
moedas correntes desta terra: mas têm uma diferença, que as novelas armam-se
sobre nada e os novelos armam-se sobre muito, para tudo ser moeda falsa...
Vede
se é certa minha verdade, que não há verdade no Maranhão...
Como
iniciamos com uma música,
vamos terminar com
um poema de Odylo Costa Filho.
Se a ponte
é feita de furto
Pinte a ponte
furta-cor
Daí porque
a ponte é isto:
Arco-íris da ilusão
Sempre visto sem
ser visto
Nos
ares do Maranhão