Seria uma notícia de jornal. Só não foi porque nestas bandas alagoanas
simplesmente não existe imprensa. Também
para que? O povo vive tão feliz vendo
apenas novelas de televisão.
Mas notícia é notícia e corre rápido. Nos bares, vendinhas, bibocas não se
comentava outra coisa. Nas praias,
pescadores riam entre os dentes. Na
lavanderia pública, mulheres batiam roupa rindo da história. Na pracinha da televisão pública, aposentados
e desempregados falavam discretamente, sorrisos contidos – pudera o homem ainda
é o prefeito.
Difícil narrar o acontecido pela boca
do povo. Muito murmúrio, nenhum
relato. Tempos de eleição, tempos de
violência: prudência é recomendada.
O jeito foi apelar para um narrador
onisciente e neutro, acima dos personagens e fatos envolvidos.
A campanha eleitoral ia acirrada (V.
Figuras 1 e 2). Júnior Boi Lambão, atual
prefeito, confiante em sua reeleição. No
mínimo noventa por cento do eleitorado.
Aquela oposicionista, sobrenome famoso, não merecia preocupações. Afinal o povo não esquece passado de
escândalos políticos-familiares. Seria
verdade? Com a primeira pesquisa
eleitoral já poderia celebrar vitória.
Mas os números foram implacáveis. Nosso prefeito tinha apenas dezesseis por cento
dos votos.
Neste ponto entra a imaginação
ficcional: provavelmente rasgou o papelório, bateu na mesa, destratou
auxiliares, disse ser impossível o resultado da pesquisa. Considerava-se vítima de uma conspiração da
direita golpista que tenta derrubar o governo.
O desfecho não poderia ser outro: de
tanto espumar teve uma crise de hipertensão.
Correu para o postinho médico, recém
inaugurado em frente da sua casa.
Mas esqueceu que havia inaugurado um
prédio vazio, sem equipamentos, enfermeiros ou médicos. Apenas toscas paredes caiadas de branco, o
vigia dormindo.
“Acabou indo para a capital. Se pobre, estaria no cemitério.”
Aqui leitor, termina a “matéria” que não
saiu nos inexistentes jornais. Mas
Literatura é imaginação. E nossa
história continua em luxuoso hospital na capital, todas as despesas pagas com
verbas de representação municipal. Claro,
não vamos esquecer daquela clássica advertência: “Esta história não tem relação
com pessoas ou fatos reais, sendo apenas fruto da imaginação ficcional”.
Desgraçados, me apunhalaram pelas
costas, repetia o prefeito, todo espetado, tubos de soro e medicamentos.
“A eleição fervendo lá fora e eu no
hospital. Ainda por cima este cantador
embaixo da janela. Já pedi ao governador
para dar sumiço no velho inútil neste mundo de deus. Ninguém toma providências. Dizem que agora tem um tal de direitos
humanos, estes procuradores, sei lá mais o quê.
E eu aqui neste leito, tendo que fechar a janela para não escutar o
provocador.”
Figura 1 – Tempos de Eleição. Foto T.Abritta – Alagoas 2012.
Figura 2 – Tempos de Eleição. Foto T.Abritta – Alagoas 2012.
Hoje o velho cantador chegou cedo,
afinou sua viola, pigarreou limpando a garganta, deu uma cuspidela e abriu sua
potência vocal:
Eu
não tinha nada
e
perdi tudo
até
a menor que era cabaço
virou
bagaço.
Morava
numa casa de placa.
A
enxurrada lambeu
a
placa cedeu
a
criança morreu
cachorro
comeu.
Agora
nós véve na Senzala
tudo
amontoado
pros
lado do forró da véia.
Inté
o trem não passa há muito
passou
ontem pela última vez.
O
vereador, seu Licurgo, sumiu
o
prefeito, seu Sinho, escafedeu.
A
deputada, dona Salomé, fedeu
a
presidenta, dona Dilcineia, esqueceu.
O
povo sofreu
feneceu
no
necrotério
um
lençol estendeu.
Minha
Casa, Minha Vida – a deles.
O prefeito, nervoso com a audácia do
cantador, arrancou os tubos de soro, descolou a fiarada do peito e chegando à
janela berrou:
“Seu inútil filho de uma égua, aqui
vai a minha réplica.”
“Quem
anda pra trás é caranguejo.”
“Quem
gosta de atraso e velharia é museu...”
Nem chegou a terminar.
A tréplica foi fulminante. Os médicos nem tiveram tempo...
Povinho
safado
faladô
enganadô
casa
de placa milagre da
construção
(vil).
Lucro
no bolso
voto
fácil
prestígio
parlamentar
satisfação
da Casa Civil.
Drenagem
nós não faz
escoamento
também não
fundação
só fundamento
entulho
socado no chão – molhado.
A
presidenta quer azulejo
parede
só alvenaria – tijolo pro caboclo
quando
tudo cai
tempo
pra sair devagarinho
de
fininho
bem
mansinho
tal
cordeirinho.
Outubro
tá chegando
vem
comer na eleição
bolsa
família-salário educação
apenas
sessentinha voando
até
minha mão.
Povinho
safado-faladô-enganadô
vem
comer na minha mão
bolsa
família-salário educação.
Minha
Casa
Nossa
Vida.
Emprego
tem não.